terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Depressão: impactos sobre a sociedade

Em fevereiro do ano passado, fui entrevistado pela publicação SMF, do Sindhosp, na qual falei sobre depressão.
Confira a íntegra da entrevista.

DEPRESSÃO: IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE
Na sociedade contemporânea, diagnósticos de depressão têm sido cada vez mais frequentes. Os fatos e os  números são alarmantes. Trata-se da terceira causa de morte no mundo entre a população adulta e a segunda entre adolescentes e adultos jovens. E o suicídio é um dos problemas médico-sociais muito relevante. Estima-se que  cada médico atenda, diariamente, sem o saber ou perceber, a pelo menos seis suicidas em potencial. Cerca de 20% da população mundial irá apresentar o quadro da doença ao longo da vida. Tal número  significa dizer que uma em cada cinco pessoas desenvolverá a patologia. A incidência é mais comum na idade mais produtiva do ser humano (entre 20 e 45 anos). Os dados são fornecidos pelo psiquiatra e coordenador da equipe de psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Vladimir Bernik,que recebeu a reportagem do SMF  e ressaltou os altos riscos mentais e físicos e sócio-econômicos da enfermidade, bem como a relevância do tema, considerado por ele como o mais importante no estudo da saúde mental, devido justamente ao seu  impacto social e financeiro.  
Bernik, que disponibiliza em seu site (www.vladimirbenik.med.br) um teste online de auto-avaliação de depressão, aponta que, para diagnosticar o quadro da doença, é preciso utilizar uma convergência de sintomas que podem envolver alterações de sono e de apetite, além de  tristeza persistente, ansiedade ou sensação de vazio, sentimentos de desesperança, pessimismo, sentimento de culpa, inutilidade, desamparo, perda do interesse ou do prazer em atividades anteriormente agradáveis, insônia, despertar matinal precoce ou sonolência excessiva. “A pessoa entristece, não come, não dorme, perde o ânimo, o pique e a vontade de viver e pode começar a ter ideias sobre o  suicídio”.  Ele aponta, ainda, que a doença tem grande ligação com quadros de ansiedade e atinge a defesa do organismo, sendo que existe uma comorbidade total entre a depressão e o diabetes e com o adenocarcinoma da cabeça do pâncreas, este incidindo quase exclusivamente em pessoas deprimidas.  O óbito por depressão ocorre mais pela perda da imunidade do paciente do que pelo suicídio.  
Segundo o médico, faltam dados mais precisos sobre a depressão. Ele ressalta que “as estatísticas ainda não são confiáveis pela  subnotificação, apesar de a mídia estar evidenciado a patologia e os médicos estarem cada vez mais sensibilizados com o diagnóstico”.  
De acordo com Bernik, há uma resistência cultural e um fator estigmatizante ainda existentes, que acabam adiando o tratamento da depressão. “O paciente deprimido está verdadeiramente doente, mas a sua falta de interesse pela vida costuma ser vista, infelizmente,  pelos seus familiares como ‘distúrbio de caráter’, ‘falta de força de vontade’ ou  ‘preguiça’.  O psiquiatra não é o primeiro médico que as família vista. Passam antes pelos clínicos, cardiologista ou neurologista, deixando a psiquiatria como última opção, muitas vezes como falta de conhecimento, fuga e pela dificuldade de assumir o quadro.”
Tida como o mal do ‘século passado’, a depressão ainda é doença deste século e  ainda perdura. Embora muitos estudiosos pesquisem as causas genéticas, todos reconhecem que se trata de uma doença tratável. O processo de tratamento inclui medicamentos e terapia.  “Primeiro, só se pode  agir sobre a hereditariedade, uma alteração dos neurotransmissores do sistema nervoso central, com o imprescindível uso de antidepressivos. Mas,  como também o lado existencial é importante, a psicoterapia é absolutamente essencial”, diz o médico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Para Bernik, no tratamento com antidepressivos é preciso conhecê-los muito  e saber que a sua eficiência está ligada ao consumo seguro e à dose correta (as subdoses nada ajudam e só depõem erradamente contra o tratamento) bem como respeito  ao tempo de latência.  A medicação costuma iniciar o seu efeito só  após 10 a 15 dias do início do tratamento. “Muitas vezes, por não haver resposta imediata, a família pressiona o médico para que ele  troque o  remédio antes do tempo necessário para obter o início dos bons resultados”, diz. Outro fator relevante durante o tratamento é o relacionamento interpessoal, a tão esquecida comunicação, e a informação médica para o paciente e familiares sobre os eventuais efeitos colaterais da medicação.  O psiquiatra aponta, também, que a produção de medicamentos pela indústria farmacêutica, de forma geral, passa por processos criteriosos e que a regulamentação é bastante atuante e segura.
Apesar dos notáveis avanços com o uso da tecnologia em várias áreas, a substituição da interação com a vida real por salas de bate-papo e sites de relacionamentos também pode contribuir para o ‘ensimesmamento’ do indivíduo. “A pessoa muitas vezes se isola e deixa de encontrar pessoas reais, bater papos pessoalmente, praticar esportes e ir ao cinema”, alerta o psiquiatra.
No que se refere ao alto custo social e econômico da depressão no ambiente profissional, trata-se da doença mais custosa, em termos e cronicidade, para os sistemas de saúde em todos os níveis. Bernik mostra os altos índices e os grandes períodos de afastamento de funcionários por licenças médicas. O afastamento pode chegar, em alguns casos, a mais de um ano e pode resultar em aposentadoria. É a doença que obriga a necessidade de contratação de outro funcionário para o mesmo cargo, uma  nova pessoa para o mesmo  posto de trabalho.  A depressão é a primeira causa de aposentadorias em psiquiatria e a segunda causa na estatística  geral da Previdência, perdendo apenas para as lombalgias crônicas.
Fatores como relações interpessoais e coletivas inerentes à própria organização do trabalho, ambiente físico e psicológico, pressões, forma do exercício do poder de comando na escala hierárquica e a insegurança de manter o próprio emprego podem ser geradores de depressão, embora estejam longe de serem os únicos. “O profissional médico, por exemplo, está quatro vezes mais sujeito  à depressão do que a população geral e quatro vezes mais exposto ao risco de  suicídio, e o psiquiatra é ainda, particularmente, vinte vezes mais vulnerável que os pacientes leigos em Medicina.”
O especialista ressalta alguns sinais importantes presentes na recuperação da auto-estima pelo paciente, tais como o desenvolvimento proativo do amor-próprio, a prática do sorriso, voltar a falar, conversar mais, ouvir músicas e cantar, além de sentir o humor melhorando e a ansiedade diminuindo, tomando  os remédios sozinho e passando a  se cuidar mais, banhando-se, barbeando-se e vestindo-se melhor, alimentando-se e dormindo de modo mais normal.  “Ele deixa de pensar negativamente e passa a ver a vida com mais otimismo”, finaliza.


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